sexta-feira, 16 de setembro de 2011

A vida é bela


Há momentos em que a situação está tão completamente ferrada que o sujeito é odiado até por ele mesmo.
Apresento-lhes Mariano. Homem direito, carismático. Homem de Deus. Nasceu da mãe errada, teve o pai errado. Estudou na escola que não era lá a mais correta e foi para a faculdade que não queria.
                Todos os dias, Mariano, na insistência de ser Polyanna com seu jogo do contente, levantava da cama sempre com a mesma ilusão: “esse será um ótimo dia”. No café da manhã encontrava a mãe, com aquela cara de semimorta ou semiviva – o filho nunca soube diferenciar bem estes dois estados –, se esforçando para cantar alguma coisa, o que era frustrante, aterrorizante e até dolorido para os pobres ouvintes que sorriam de desespero. Interpretando de forma errônea o sorriso, a mulher cantava mais alto, queria aplausos. E assim o dia começava mal para o pobre rapaz.
                Buscando carinho e compreensão olhava para o pai surdo que nunca havia sentido interesse em aprender libras. Não se comunicava. Eram só olhares vegetativos, vazios. Todo ele era reprodução de cenas vistas no cotidiano de seus humildes e pacientes pais. Por isso gostava de bater na mesa e fingir fúria quase sempre. Isso assustava a esposa e os filhos. Talvez fosse por isso que ela andasse meio desorientada... Enfim, depois dos socos voltavam os mesmos olhares profundos, flertando com o nada. Mariano admirava o poder de sedução do pai, pois, mesmo sendo um exemplo locomotivo de plantas raivosas, conquistou sua mãe. Repensou a ideia de que a mulher andasse desorientada. Talvez ela fosse assim desde sempre.
                Sorrindo, deu bom dia ao irmão mais novo que o olhou com desprezo dizendo: “Você é perturbado. Vai se tratar, Barbie”. E Mariano não desistia, não deixava a decepção tomar conta de si. Um exemplo de menino! Fechou os olhos, voltou a sorrir e respondeu ao irmão: “Eu sei que está passando por uma fase ruim, mas você vai superar”, conselho de qualquer péssimo psicólogo. “Vai tomar...” o irmão da fase ruim foi interrompido pelas batidas descontroladas do pai, que urrava pra mãe, que cantarolava feliz, na ponta dos pés, dando um oi para o dia. O mais novo se levantou chutando a cadeira e gritando: “Morram! Eu vou embora dessa casa!”. Mariano olhou a bagunça. Foi arrebatado pela sanidade e percebeu – finalmente - o descontrole da família. Tentou achar um motivo para a felicidade no mais íntimo de seu ser, mas a realidade havia possuído o pobre desiludido. A raiva foi crescendo, nascendo das mãos apoiadas na mesa que balançava com os murros do pai, passando por seus braços, chegando ao tronco, se espalhando pelo corpo até a cabeça. Ao chegar nesta última, Mariano dá um grito absurdamente alto, talvez o segundo depois de seu nascimento, fala seus primeiros palavrões e joga a comida no rosto do pai-surdo que não sabe que reação ter. A mãe olha, chocada. O filho vai até ela, calmo, e fala no seu ouvido: “Você não canta bem, não canta. NÃO CANTA!” e empurra a mãe que deve ter morrido antes do segundo “canta”.
                O caçula, que havia conseguido presenciar a cena, olhou satisfeito para o irmão. “Agora você aprendeu que quando um não quer dois não brincam, não foi, Marianozinho?”. Mariano olhou o vegetal, a morta e o problemático e viu que agora sim eram uma família normal. Na verdade o anormal sempre foi ele.
Laysa Menezes

3 comentários:

Thaís Sâmya disse...

O que mais posso dizem além de: MARAVILHOSÍSSIMO! ?

Unknown disse...

Uau, muito bom, meus parabéns!!

Laysa Menezes disse...

Muito obrigada!