quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Caído

A manhã ainda estava dormindo quando saí de casa. Tropecei numa pedra cinza e gigante. Era um sinal. Abri a mochila e peguei o caderno de anotações. “Pedra cinza... pedra gigante... Ah, bem aqui: Causar discórdia”. Fechei o caderno, sorri e fui pro mundo.

Ao descer do ônibus, na porta da livraria, vi o casal que mais me causa repulsa lá dentro. Lindos, simpáticos e sem nenhuma demonstração de inteligência. Perfeitos para a minha aventura diária.

Aproveitei a presença de uma dessas mulheres que quer se sentir culta por estar numa livraria - dessas que ficam folheando livros de autoajuda e entram na loja com uma postura inexistente quase impecável – para brincar. Olhei para o enamorado que atendia a moça. Cheguei perto da dona dele, no balcão. Só queria conversar um pouquinho.

- Vocês dois estão brigados?

- O quê?

- Vocês dois estão brigados?

- Vocês dois quem? – Você e o Machado de Assis. Sinceramente... Não se fazem mais boas vítimas.

- Você e o Marcelo.

- Marcelo... – Ela sorriu e acenou para ele, que para minha sorte estava muito concentrado no trabalho – Não, por quê?

- Ah... por nada. - Lançou-se o mal.

- Fala!

- Não, nada.

- Começou agora fala! – São todas iguais

- É que... Ele tá te tratando diferente. Olha, nem te acenou de volta! Você não acha que ele está muito próximo daquela bonitona ali, não?

Ela Apertou os olhos, tentando ver melhor. Mentira falada, verdade provada.

- Você acha?

- Olha só! Ele está pegando na cintura dela! – Obrigado, ilusão de ótica.

- Não acredito! Como ele pode estar fazendo isso na minha frente!

- Pior quando ele te esconde...

- Esconde??? Do que você sabe?

- Ops... Melhor eu ficar quieto. – Ela me olhou, suplicante. – Tá. Algumas vezes, enquanto você ia comprar o almoço, ele dava em cima das clientes. Até trocavam números de celular.

- Algumas vezes? Mais de uma? – Demonstração de compreensão única.

- Pois é. Se eu fosse você iria tirar satisfação com ele agora.

- Agora? Em horário de trabalho e com ele atendendo?

- E você vai deixar isso pra depois? – Ela respirou fundo e se armou com toda sua fúria.

Eu não queria mais trabalhar ali mesmo. Enquanto a, agora desesperada, miss simpatia ia correndo, derrubando estantes e tudo que visse pela frente – inclusive a mulher – para espancar seu namorado com uma força inimaginável, eu saía satisfeito com a aventura. Liguei pro chefe, disse que a loja estava uma baderna e que eu queria me demitir. Desliguei antes de qualquer reposta. Sorri para o céu azul que me esperava lá fora.

Opa! Uma pessoa com camisa branca. É um sinal. “Camisa preta... camisa amarela... camisa branca, aqui! Humm, minha preferida.”

Se o inferno são os outros eu sou o próprio diabo.

Laysa Menezes

sábado, 20 de agosto de 2011

Lição

A abelha apareceu atordoando toda a família.

Barulhenta e boba, beliscando nossa bigorna.

Com cuidado caminhei até ela

Deixando de lado discursos dispensáveis de parentes.

Era extravagante o amarelo estampado em seu corpo.

Fiquei focada na abelha e fincada ao seu lado, feliz.

Gostava de garantir a segurança de seres pequenos.

Habilidosa, a abelha , como de hábito, entrou num mínimo buraco.

“Ilha inabitada de humanos” era como eu chamava.

Jamais juízo, joelho e gente tinham entrado ali.

Logo comecei a labirintar longe, buraco adentro, rasgando-o

Momento mágico

Nunca nada se equiparou a isso.

Os olhos não ocultam o fascínio.

Por um momento, parei de respirar e só admirava a colônia secreta

Quando quase fui encontrada pela abelha rainha que voava.

Ruídos, realeza, tudo se misturando.

Só soube admirar os pontos amarelos brilhantes no ar.

Tinha tudo tão perto de mim. Queria tocar...

Ui! Por que ela me picou?

Vão embora! Parem de me magoar, me trair.

Xô!!!!

Zumbido coisa nenhuma, nunca mais sigo abelhas.

Laysa Menezes

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Filosofias de boneca

E Deus?

- Deus é o nome do papai do céu, não é? Por que Ele escolheu esse nome? Por que não escolheu Arthur que é mais bonito, igual o do meu priminho?

Ela, sentada na cama, balançava os pezinhos que não conseguiam tocar o chão. Filosofava com uma grandeza e sabedoria não tão estranhas para crianças.

- Ele está em todos os lugares? Mas como pode? Ele tem poderes de super heroi? Ou é mágico? Ou... Ah já sei! Mamãe, Deus não pode estar em todos os lugares.

- Por quê? – A mãe sorria.

- Porque é impossível. Mas ele sabe de tudo de todo mundo porque tem uma televisão gigante. Ele não é grande? Muito grande? Então. Deve precisar de uma televisão grandona também. E nela aparecem todas as pessoas do mundo, tudo o que estão fazendo... Aaaaah, eu sei de uma coisa que Deus não sabe.

A mãe levantou uma sobrancelha e sentou na cama ao lado da pequena, olhou séria para a filha e do jeito mais carinhoso que havia falou:

- Meu amor, não existe coisa que o papai do céu não saiba.

- Existe sim. As coisas que estão aqui, mamãe, na nossa cabeça. O que eu falo e você não ouve. O que só eu sei e só conto se quiser. Deus por acaso sabe o que ninguém diz?

- Sabe, o Senhor sabe tudo, lê mentes.

- Não lê, não. Como pode, hein? Ninguém faz isso. Ah, não, mamãe. Pare de mentir pra mim!

- Não estou mentindo. Só lendo mentes é que Deus consegue traçar o destino de cada um, de acordo com suas vontades, entendeu?

- Traçar destinos? Como assim?

- Construir a sua vida.

- Mas não sou eu que construo a minha vida? Mãe, papai do céu tá muito danadinho. Ele lê o que eu guardo na minha cabeça, constrói a minha vida... Parece até o que eu faço com as minhas bonecas. Por que a gente nasce? Pra Deus brincar com a gente? Entendi. Olha, mãe, nós até somos um pouco “Deus”. Nós também usamos os brinquedos para nos divertir um pouco. Mamãe, será que Ele gosta de brincar comigo?

Posso escolher um nome feio também?