sábado, 2 de fevereiro de 2013

Madeixas

Meu cabelo é a minha cor. Deixe-me ir com as tintas no vento, pintar o meu espaço. Deixa meus encaracolados se misturarem, preencherem meu rosto, seu rosto, seus dedos, seus lábios. Não me fale de comportamento. Essa rebeldia cacheada tem vontade própria, é desobediente. Vem, afague-a. Afogue suas mãos nas minhas ondas. Entrelace-as em um caracol sem fim. Molde-as e solte-as, para elas se fazerem molas por aí.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Repetição


Você não sabe escolher as palavras certas. Incomoda. Entristece. Enraivece. Eu não quero mais ouvir uma palavra errada da sua boca. Eu não quero mais ouvir. Não quero mais sua boca.
E, por favor, me deixe escolher as palavras certas. Eu quero te dizer que eu não te quero - todo você. Cansei das suas mãos, da sua cor, do seu cabelo. Enjoei, sabe? Quero trocar.
Não tente me encontrar, pois se tentar eu vou dizer que já é tarde. Eu perdi o seu alarme, mas sei que a hora já passou. Vou escolher palavras erradas só pra você saber como é. Aquelas palavras que incomodam, entristecem, enraivecem. Até você perceber que não vai mais me querer e eu poderei sair atrás de outro com palavras erradas – ditas nos momentos certos ou não.
É tudo sempre a mesma coisa. Mas o mesmo você não dá mais.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Sobre voltar


Chega uma hora em que seus próprios dedos dão choques no corpo. E cada choque grita “Acorda, acorda, acorda!”. Acordar do quê? Do que, meu Deus do céu? É difícil entender. Mas aos poucos, como quem sai do coma, recupera-se a memória e primeiro surgem os clichês “Ah, como eu era feliz”, “Nossa, minha vida era tão melhor”, blá, blá, blá. Depois, fazendo força pra raciocinar – e conseguindo deixar a preguiça de lado – vêm os fatos “Escrever é como andar de bicicleta”. Pois bem, minha bicicleta esteve enferrujada por um tempo, e talvez eu cambaleie um pouquinho para voltar a andar, mas finalmente, FINALMENTE, a imaginação – que governa o mundo – bateu na ponta da minha língua, ou dos meus dedos, seja como for. Voltei a escrever, com um entusiasmo que há de crescer e com uma vontade imensa de contar. Contar histórias e contar os dedos. Começo no 10.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Começa com Fê e não termina


            Não precisa falar. Não quer falar. Fica calado. Mão no queixo, olhar distante observando, imperceptivelmente, tudo a sua volta. De repente... Uma câmera um estalo uma piscada e, é claro, um lápis.
            Essa conversa de olhos que é tão engraçada, tão íntima e acolhedora, chama a todos. Ninguém fica fora da brincadeira. “Vamos criar? Só mais um pouquinho, por favor. Hoje eu estou todo cinema. Quero uma filmadora seguindo cada boca que é para pegar cada expressão. Não. Desse jeito não.” E gestos, gestos, gestos... Todos abrem os olhos ansiosos, esperando. “O que ele quer dizer com esse movimento todo, meu Deus do céu?”. É a palavra que não vem, contraditório. Mas é tão claro, chega a ser estranho as pessoas não entenderem. “Eu quero – mãos – é... – dedos – quero... – mão no rosto.”
            Cada frase é poesia. Ele todo a é. Uma misteriosa, divertida, descritiva, a-d-j-e-t-i-v-a. É magia, quase bruxaria. Sabe de tudo. Ele nos lê e não precisamos falar. Nos suborna com um charme teatral “me dá sua história?”. Caçador de frases cotidianas diferentes, que brilhem, para que ele possa segurá-las, melhorá-las e entregá-las de presente ao caderno que vira livro.
            E não há abraço mais leve. Ele deve pensar: “Se eu apertar demais talvez esprema palavras que não preciso” e ele só quer o necessário. Então alisa as costas do abraçado. Pronto. O pouco já revela o carinho da pessoa amiga que ouve e aconselha, falando sempre o que precisamos ouvir. É bruxaria. Mais que isso, é observação. Mais que isso, é amizade.
            Vamos, meu bem. Suba na janela e não espere, vá. Deixe que o vento - que traz as palavras transparentes – te leve e te aperte, para você explodir em contos, os outros poderem te respirar e, finalmente, Fernandoriar.
Com muito carinho para meu amigo Fernando.
 Laysa Menezes

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Riso


                Olhos castanhos e ansiosos procuravam os olhos verdes que passariam por ali. O desfile anual da escola parecia um dia nublado antes que ele surgisse no meio de alguns outros pezinhos. Demorava um pouco. A menina roía as unhas, os dedos, as mãos, até que surgia o sol penteado, de cinto e botinhas. Ela puxava as amigas e sorria empolgada. “Olha ali, como é lindo!”, falava feliz. Sentia seu coração empurrando o peito pra frente. “É amor, é amor! Com certeza é!” e as amigas em coro respondiam como apoio “É claro que é!”. E entravam numa discussão sobre os sentimentos do menino - aquele ele-gosta-não-gosta.
- Vocês mal se falam... Mas acho que ele gosta.
- Ah, ontem ele sorriu pra ela. Vocês ainda têm dúvidas?
                De repente gelo. A menina apertava forte as mãos das amigas. Ele estava passando na sua frente. Era frio, dor, calor, amor... A hipótese do amor. O menino olha. Desvia o olhar. E a garota se torna esperança acabada, balão estourado, flor arrancada.
- Calma, amiga. Ele gosta de você. Acho que é o nervosismo. Faz a gente esquecer o mundo.
- Ele tem que saber que eu gosto dele – calculava a apaixonada iniciante de nove anos – Já sei. Vou fazer uma carta de amor!
                Pediu à mãe papéis de carta, para colecionar, “como a senhora também fazia”.  A mãe achou graça, comprou papéis, envelopes, adesivos. Era uma explosão de rosa com corações.
                Um dia estava sozinha em casa. Ou quase. O pai dormia no sofá da sala. Oportunidade perfeita. A menina pegou as canetas coloridas, os outros materiais e pôs-se a escrever. Falou da falta de comunicação, do sentimento guardado, de tudo. Para finalizar colocou duas figurinhas antecedidas pelas frases: “Sei que estamos assim” - e dois bonecos de mãos dadas – e “Mas queria que estivéssemos assim “- e dois bonecos se beijando. Pensou em desistir, mas a loucura e insanidade alegre das crianças a fez continuar com a aventura.
                Pediu para que uma amiga entregasse na sala dele. Risos. Aplausos. Gracinhas. Procura. Conversa. Abraços. Presentes. Reticências. Eternizou-se. Amizade.
Laysa Menezes

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

A velhinha da encruzilhada


Obs.: Este texto é uma releitura de uma lenda folclórica. Será que você consegue identificar?
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                Naquele ponto de quatro saídas, empoeirado e musicalizado pelo forte suspiro do vento, uma velhinha morava num trailer. Acompanhados na solidão estavam: ela, os gatos, os passarinhos, os cachorros e os outros tantos bichos que por vezes apareciam. O que antes era floresta se transformou em deserto. A única árvore que havia sobrevivido aos “derruba-tudo”, como dona Pira os chamava, era a Mangueira. Essa era sua protegida, seu lugar para relaxar depois de situações mais complicadas, quando as pessoas são mais difíceis e desconfiadas. Por ter falhado em seu trabalho, a velha, tão pequenininha, vivia estressada.
                Às vezes um vrum-vrum chato vinha nervoso até ali. Dona Pira apertava as mãos com força e arrastava o chinelo até a porta do trailer. Na rua, uma cabeça pra fora da janela do carro gritava para ela.
- Por favor! A senhora pode me dar uma informação?
                Dona Pira, com ódio, mordia os próprios dentes, mas, dissimulada, transparecia calma.
- Claro que posso. Pois não?
- A senhora sabe qual desses caminhos vai dar naquele condomínio novo? O... Mata Verde?
- Engraçado ter esse nome. É bem ambíguo, não é?
- É? Bom, a senhora sabe para que lado ele fica?
 - Você vai morar lá?
- Não, vai ter uma festa de inauguração... A senhora sabe ou não sabe?
- Você costuma confiar em estranhos? – O homem riu.
- Dona... A senhora não é do tipo que se desconfia, sabe? Mora num lugar calmo. Está na idade de relaxar, não de aprontar.
- Hum...
- Eu deveria desconfiar?
- Não. – Por dentro, Pira gargalhava prevendo a vitória – Só me preocupo. Essa juventude confia demais, não é?
- Concordo. Pra que lado fica mesmo o condomínio?
- E o senhor é a favor do desmatamento?
- E a senhora faz parte do senso do IBGE?
- Responda. – A velha arregalou os olhos para o homem, que ficou acanhado.
- Pelo jeito o condomínio é bom, então...
- É por ali, seguindo em frente.
- Muito obrigado! – Disse grato, sem desconfiar.
                Ela deu um tchau frenético, esperando pelo resultado do seu trabalho. Seu sorriso diabólico crescia cada vez que o carro avançava em direção ao destino sugerido. De repente um susto, uma gargalhada e uns pulinhos. O homem festeiro havia caído no precipício que existia bem ali, “seguindo em frente”. Dona Pira olhou satisfeita para as placas de sinalização que escondeu atrás do trailer. Foi para debaixo da árvore solitária, pegou uma manga, chupou e respirou aliviada. Foi bem-sucedida. O azar foi do homem que não reparou nos pés dela.
                Laysa Menezes