quarta-feira, 2 de março de 2011

O pessimista (reescrito)

Meu avô, já velhinho, vive de namorico com a senhora dona morte. Não há outro assunto que o interesse. Um dia eu e minha irmã fomos para a casa dele, visitá-lo, e ele estava na varanda, lendo um livro. O título: “Depois da morte”. Minha irmã, que cisma com essas ideias tenebrosas por parte dele, disse logo:

- Mas, ! Por que ler um livro desses? Não tem outro?

- Claro, minha netinha. Por favor, pegue ali em cima da mesa “a morte de um estranho”.

Eu sorria discreta no meu cantinho. Observar um avô nunca foi tão divertido e cansativo. Cansativo, sim. Imagine escutar tantas vezes a palavra morte em um curto espaço de tempo!? Tentei convencê-lo de que iria viver muito ainda, mas o velho gosta do pessimismo.

Chamando o resto da família para a varanda, na tentativa de tornar a conversa mais diversificada, surgiu a curiosidade de saber quantos anos minha avó teria. Cada pessoa chutava um ano de nascimento, o qual ninguém acertava, nem seus filhos. Então, cansada de ouvir erros, ela falou:

- Nasci em 38!

E meu avô, dignamente respondeu:

- 38 é uma boa arma.

Ao se despedir de mim, para não perder o hábito, não deu a bênção de costume e sim um “Até o paraíso, minha netinha”. Ele ainda vive, ansioso para que a dama de voz tão convidativa se aproxime.

Laysa Menezes

Dura como pedra

Beijo o teto para mostrar a todos nossa relação. Temos um namoro que começou por um selinho que nunca se acabou. Meus pés tocam o chão (e por acaso sou passarinho para saber voar?), seria mais apropriado dizer que eles chutam, esmagam, esfregam, destroem o chão. Ele não quer me largar, não entende que o de cima foi o que me conquistou.

Enquanto tenho uma proximidade com esses dos quais já falei, os outros, os humanos – esses pequenos danadinhos que ficam para lá e dalí para longe – me negam a existência. Aliás, sou lembrada por eles sim. Quando querem informar algo vêm logo a mim, pendurar aquelas placas grudentas que não consigo me livrar, não tenho braços.

Na fila do almoço fico muito constrangida. Uma floresta de mãos, braços e pernas, passa por mim, mas não na intenção de me acariciar e sim para ter algum encosto na espera inacabável e entediante que é a característica universal das filas. Fico com raiva, pois o teto permanece imparcial. Nem para ter um pouquinho de raiva? Essa relação não vai durar muito... Mas voltando a floresta de corpos, quando não me cobrem para descansar usam-me como objeto de brincadeira, esconderijo de pega-pega.

Depois ainda reclamam, às vezes, que sou muito dura. E como não ser? Não recebo nenhum tipo de afeto da parte deles, ainda costumam soltar “ela é feia e cinza!”, como ser bonita se não me fazem assim? Eu sustento o céu de tijolos deles e não sou retribuída de nenhuma forma, mas continuo aqui. Talvez a dureza me faça resistente, psicologicamente.

Pilastra

Descalmapax

Venho percebendo algumas coisas estranhas acontecendo comigo. Será que estou doente mais uma vez?

Não estou enxergando nada muito bem, preciso marcar logo uma consulta no oftalmologista. Pode ser glaucoma, posso ficar cega. Amanhã não dá. Tenho consulta com o neurologista. Um dia desses senti uma dor de cabeça absurda e pode ser um tumor no cérebro. Meu amigo morreu com um desses e também começou com uma simples dor de cabeça.

Hum... Hoje é terça, sexta-feira pode ser que haja tempo. Não, já tenho consulta com a dermatologista, minha pele está cheia de manchinhas que parecem sinais. Minha irmã diz que são sardas. Abismo de ignorância! Ela deveria saber que o índice de pessoas com câncer de pele é bem grande! Falei isso quando começou a me chamar de hipocondríaca, achei sua ingenuidade engraçada, só gosto de cuidar bem da minha saúde. É a única coisa que ainda me resta. Fiz muitas pessoas sofrerem e afastei muita gente de mim, eles não gostavam do jeito que eu me cuido, diziam que é obsessão, cuidado em excesso, e foram embora. Não tenho mais amigos, não tenho sequer uma família. Eu sofri muito, e ainda sofro. Pensando bem eu mereço ter tantas doenças assim. Eu mereço ser castigada.

Ai! Estou sentindo uma dor muito forte no coração. Será que terei um enfarte?! Meu pai morreu com um de súbito, foi a maior perda da minha vida. Ai! A pontada de novo. Alô? Emergência? Estou tendo um enfarte! Um trote? Não! Espera eu...

Eu quero ir pro hospital. Aqui tem doenças espalhadas por toda a casa, microscópicas, fatais. Tenho que ocupar o menor espaço possível para elas não me encontrarem. Eu me afasto do mundo. Sento na minha cama. Mas ela também pode estar infectada, preciso queimar o colchão.

Acordo. Que lugar é esse? Quem é essa pessoa?

- Senhora, você foi vítima de um incêndio. Sofreu queimaduras de primeiro grau em 40% do corpo. Ficará aqui por alguns dias, talvez semanas.

Um hospital? ALELUIA!

Ainda bem que estou aqui, protegida de tudo lá fora. Viver é muito perigoso. Existem remédios anti-vida?

Laysa Menezes