Obs.: Este texto é uma releitura de uma lenda folclórica. Será que você consegue identificar?
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Naquele
ponto de quatro saídas, empoeirado e musicalizado pelo forte suspiro do vento,
uma velhinha morava num trailer. Acompanhados na solidão estavam: ela, os
gatos, os passarinhos, os cachorros e os outros tantos bichos que por vezes
apareciam. O que antes era floresta se transformou em deserto. A única árvore
que havia sobrevivido aos “derruba-tudo”, como dona Pira os chamava, era a
Mangueira. Essa era sua protegida, seu lugar para relaxar depois de situações
mais complicadas, quando as pessoas são mais difíceis e desconfiadas. Por ter
falhado em seu trabalho, a velha, tão pequenininha, vivia estressada.
Às
vezes um vrum-vrum chato vinha nervoso até ali. Dona Pira apertava as mãos com
força e arrastava o chinelo até a porta do trailer. Na rua, uma cabeça pra fora
da janela do carro gritava para ela.
- Por favor! A senhora pode me
dar uma informação?
Dona
Pira, com ódio, mordia os próprios dentes, mas, dissimulada, transparecia
calma.
- Claro que posso. Pois não?
- A senhora sabe qual desses
caminhos vai dar naquele condomínio novo? O... Mata Verde?
- Engraçado ter esse nome. É bem
ambíguo, não é?
- É? Bom, a senhora sabe para que
lado ele fica?
- Você vai morar lá?
- Não, vai ter uma festa de
inauguração... A senhora sabe ou não sabe?
- Você costuma confiar em
estranhos? – O homem riu.
- Dona... A senhora não é do tipo
que se desconfia, sabe? Mora num lugar calmo. Está na idade de relaxar, não de
aprontar.
- Hum...
- Eu deveria desconfiar?
- Não. – Por dentro, Pira gargalhava
prevendo a vitória – Só me preocupo. Essa juventude confia demais, não é?
- Concordo. Pra que lado fica
mesmo o condomínio?
- E o senhor é a favor do
desmatamento?
- E a senhora faz parte do senso
do IBGE?
- Responda. – A velha arregalou
os olhos para o homem, que ficou acanhado.
- Pelo jeito o condomínio é bom,
então...
- É por ali, seguindo em frente.
- Muito obrigado! – Disse grato,
sem desconfiar.
Ela
deu um tchau frenético, esperando pelo resultado do seu trabalho. Seu sorriso
diabólico crescia cada vez que o carro avançava em direção ao destino sugerido.
De repente um susto, uma gargalhada e uns pulinhos. O homem festeiro havia
caído no precipício que existia bem ali, “seguindo em frente”. Dona Pira olhou satisfeita
para as placas de sinalização que escondeu atrás do trailer. Foi para debaixo
da árvore solitária, pegou uma manga, chupou e respirou aliviada. Foi
bem-sucedida. O azar foi do homem que não reparou nos pés dela.
Laysa Menezes